Criado para os outros
Ele andava reparando em todos os seus movimentos, tinha que fazer os passos de acordo com a dança. Imagina o quando seus pais o elogiariam? E suas tias? Com certeza diriam que ele seria o mais talentoso da família. Seus avós nem se fala, o encheriam de carinhos um pouco infantis para sua idade. Que saco! Fora preparado para agradar a todos, uma montagem de todos os gostos e expectativas da família, mas ainda faltava algo, sua essência. Nos últimos anos andava distraído e um pouco cansado de tudo. Ser os outros é um papel pesado para qualquer ser humano. Esse tempo todo tem guardado suas vontades na mala e a escondeu para não escapar nenhuma lembrança de seus sonhos e vontades loucas. Caramba! Tinha deixado de ir sozinho para a viagem dos sonhos porque sua tia necessitava de ajuda com os filhos menores. Ontem nem saiu, imagina a reação dos seus pais chegar um pouco mais tarde em casa? Imagina ser feliz com suas vontades? Loucura! Deixa pra amanhã, eles sempre afirmam, ainda há muito tempo pra viver. Pare! Você vai querer viver coisas assim? Absurdo! Tenha uma vida normal. Deixar um emprego como o seu? Todos querem ele. Insatisfeito? Quer estudar até quando? Por que experimentar um emprego novo? Tão bom a estabilidade que tem. Ontem o vi! Uma lágrima escorreu pelo meu rosto vendo seu corpo jogado no meio dos carros. Vi seus sonhos esparramados pelo chão esperando o futuro que disseram que viriam. Vi suas frustrações e suas lágrimas jamais vista a não ser por mim que compartilho de seus sonhos. Vi ainda sua ansiedade descontada em noites sufocantes e lentas. Morreu! Tão jovem! Um futuro pela frente! Ouvi dizer na multidão. Os outros jamais imaginariam que um carro tiraria sua vida, estavam ocupados demais evitando ouvir os seus sonhos e em busca dos próprios falavam com certeza daquilo que também perderam O futuro. O deixaram ir e o tiraram dele, homicidas de sonhos e criadores de gente para os outros. O ensinaram uma vida normal, para o vizinho ver que tinha um bom filho e a família apreciar que era um rapaz centrado no que queria. O sufocaram até morte, o vi na hora que atravessava despercebido tentando evitar a última vontade que surgia em sua cabeça, naquele dia não queria ir trabalhar, queria outro emprego que acabara de recusar horas antes por e-mail.

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